Pescado na alimentação infantil: benefícios e precauções importantes
- Rita e Marta Com a comida não se brinca
- 21 de jun.
- 8 min de leitura
Atualizado: 22 de jun.
O peixe é um dos alimentos mais ricos em nutrientes essenciais ao desenvolvimento infantil - fornece ómega-3 (DHA e EPA), fundamentais para o cérebro e visão, além de proteínas de elevada qualidade, ferro, iodo e vitaminas como D e B12. A sua introdução pode ser feita a partir dos 6 meses, como parte de uma alimentação variada e segura.
Além dos nutrientes, comer peixe desde cedo pode trazer vantagens de saúde a longo prazo. Evidências científicas indicam que incluir peixe regularmente na alimentação infantil pode favorecer a capacidade intelectual e até melhorar a qualidade do sono e o humor. No futuro, uma dieta que inclua peixe também está associada a menor risco de doenças crónicas, como problemas cardíacos, graças aos seus efeitos anti-inflamatórios e à redução do colesterol LDL (o "colestrol mau").
Em resumo, o peixe é um alimento aliado do desenvolvimento infantil, fornecendo nutrientes para o cérebro e corpo em crescimento.
No entanto, é preciso fazê-lo escolhendo bem as espécies, conforme veremos, para maximizar os benefícios e minimizar eventuais riscos.
O que é o metilmercúrio e qual a sua relação com o peixe?
O metilmercúrio é um metal pesado que se acumula nos peixes, sobretudo nos de maior porte e vida longa. Em excesso, pode afetar o desenvolvimento neurológico, especialmente em bebés e crianças. Esse fenómeno está associado ao aumento da poluição nos oceanos, rios e lagos, que introduz metais pesados na cadeia alimentar aquática. Mesmo em Portugal, análises recentes confirmaram a presença de níveis preocupantes de mercúrio em algumas espécies capturadas nas nossas águas.
Durante a gravidez, o mercúrio presente no organismo da mãe pode atravessar a placenta e afetar o feto e após o nascimento, pequenas quantidades podem também ser transferidas pelo leite materno. Por isso, grávidas, lactantes e crianças pequenas são considerados grupos de risco e devem seguir orientações específicas para reduzir a exposição.
Peixes seguros (consumo moderado até 3–4 vezes/semana)
Felizmente, há muitos peixes com teores muito baixos de mercúrio, que podem ser oferecidos com tranquilidade a bebés e crianças. Contudo, mesmo em espécies seguras, as novas recomendações apontam para que o consumo se mantenha a cerca de 2 a 3 vezes por semana, podendo ir até 3–4 refeições semanais.
Abaixo listamos alguns exemplos de peixes considerados seguros para consumo frequente:
Abrótea
Bacalhau
Cantarilho
Carapau
Cavala
Chicharro
Choco
Corvina
DouradaFaneca
Garoupa
Linguado
Lula
Perca
Pescada
Polvo
Pota
Pregado
Raia
Redfish
Robalo
Rodovalho
Salmão
Salmonete
Sarda
Sardinha
Sargo
Solha
Tamboril
Truta
Atum em conserva
Dica: Uma boa regra é que peixes menores, que vivem menos tempo, tendem a ser mais seguros. Por exemplo, sardinha e cavala são “opções a privilegiar”. Já peixes de grande porte, devem ser consumidos com menos frequência ou evitados, conforme veremos a seguir. E claro, ofereça o peixe da forma adequada à idade (sem espinhas, e bem cozinhado)
Espécies de peixes a evitar
Devem ser evitados até na idade adulta em altas quantidades, e estão proibidos para crianças, grávidas e lactantes.
Tubarões: Inclui cação, tintureira e outros tubarões – todos possuem níveis elevados de mercúrio e devem ser excluídos da dieta.
Peixe-espada e Espadarte: Embora os nomes sejam parecidos, referem-se a espécies diferentes – o peixe-espada preto (muito consumido na Madeira) e o espadarte têm ambos elevada contaminação por mercúrio.
Atuns de grande porte (frescos): Atum voador/albacora (Thunnus alalunga), atum patudo (Thunnus obesus) e atum rabilho (Thunnus thynnus, o atum azul) estão entre os peixes com maiores teores de mercúrio.
Maruca
Pata roxa
Atum em lata: como escolher a opção mais segura
O atum enlatado é prático e saboroso, mas há detalhes importantes ao escolhê-lo, nem todo atum em conserva é igual – na verdade, podemos encontrar espécies diferentes de atum em lata, com perfis de mercúrio distintos.
As duas principais categorias são:
“Atum light” (atum claro) enlatado: Geralmente produzido a partir do atum listado (nome científico Katsuwonus pelamis, também chamado “bonito” em Portugal) ou de espécies semelhantes de pequeno porte. Este é o atum enlatado mais seguro, com baixo teor de mercúrio. Nas recomendações da FDA/EPA, o atum claro enlatado está listado entre as “Melhores Escolhas” de peixe para crianças e grávidas. Isso significa que pode ser consumido várias vezes por semana (3-4 porções) sem preocupações excessivas, dado seu baixo nível de mercúrio - apenas após os 12 meses de idade e preferir marcas portuguesas, que costumam usar esta espécie, e com baixo teor de sal. Contudo, aconselhamos sempre a ir alternando com outras espécies para promover variedade à dieta.
Atum “branco” (albacora) enlatado: Refere-se ao atum albacora (nome científico Thunnus alalunga), também conhecido como atum voador ou bonito do norte. Costuma vir rotulado como atum em conserva branca ou até em frasco de vidro com denominações gourmet (“atum bonito do norte em azeite”, por exemplo). Este atum é de maior porte e contém bem mais mercúrio – estudos mostram que o atum branco/albacora tem, em média, cerca de três vezes mais mercúrio do que o atum light (skipjack)
Portanto, sim, o atum em lata pode ser usado com moderação a partir dos 12 meses, desde que escolhido com cuidado. As espécies mais comuns nas latas — como o atum bonito (incluindo o dos Açores) e o atum light (skipjack) — têm normalmente baixos níveis de metilmercúrio, sendo consideradas seguras para crianças pequenas.
Entretanto, há um ponto de atenção: não confundir bonito dos Açores com “bonito do norte”. Embora os nomes sejam parecidos, “bonito do norte” é um termo comercial para o atum albacora (atum branco) e este deve ser evitado.
Preferir marcas portuguesas, que costumam usar esta espécie, e com baixo teor de sal.
Atum em lata vs. Atum em frasco: Qual escolher?".
Muitos pais questionam se o atum em frasco de vidro é “melhor” que o de lata. O atum em frasco de vidro representa a vantagem de ter menor risco de migração de materiais a evitar (como alumínio ou BPA) para o alimento, mas é difícil de encontrar disponível nos supermercados com espécies seguras - as conservas em vidro costumam usar atum de alto valor comercial (frequentemente albacora).
Bacalhau: fresco vs. salgado – qual oferecer às crianças?
O bacalhau é um peixe muito presente na culinária portuguesa, mas requer alguns cuidados na introdução ao bebé. Em sua forma fresca, bacalhau refere-se geralmente ao peixe Gadus morhua (ou espécies similares) não salgado – ou seja, um peixe branco, magro, de sabor suave e baixo em mercúrio. O bacalhau fresco (ou mesmo congelado) pode ser introduzido na alimentação a partir dos 6 meses de idade, assim que o bebé comece a experimentar peixe na Introdução Alimentar.
Antes dos 12 meses, oferecer apenas bacalhau fresco ou congelado sem sal. Depois disso, caso prefiram o salgado seco, este convém que seja muito bem demolhado no frio para reduzir o teor de sal.
Salmão: podemos oferecer?
O salmão destaca-se como um dos peixes mais saudáveis para crianças – é rico em ómega-3 e é geralmente de baixo teor de mercúrio.
Contudo, há algumas considerações úteis sobre a origem e o preparo do salmão:
Salmão selvagem vs. de aquacultura: Ambos podem ser consumidos por crianças. O salmão selvagem (e.g. salmão do Pacífico, do Alasca e Atlântico Norte) costuma ter menos gordura e possivelmente níveis ainda mais baixos de contaminantes. Já o salmão de aquacultura (especialmente de regiões controladas) tem geralmente um teor de gordura maior – o que significa até mais ómega-3 – mas às vezes levanta preocupações de resíduos (por rações, medicamentos). Felizmente, os produtores certificados controlam bem esses fatores, e a UE impõe limites estritos para contaminantes em peixe de aquacultura. Em termos de mercúrio, não há diferença significativa – salmão de viveiro e selvagem apresentam ambos níveis muito baixos. Portanto, pode escolher o salmão disponível de boa procedência, seja selvagem ou de cativeiro, sabendo que está oferecendo um peixe seguro e nutritivo.
Preferir:
Salmão de viveiro (cultivado) – especialmente de regiões controladas (ex. Noruega, Escócia, UE).
Salmão selvagem (ex: do Atlântico Norte, Alasca ou Pacífico).
Evitar
Salmão selvagem do Báltico
Preparação para bebés e crianças:
O salmão, por ser um peixe gordo, tem uma textura macia que se desfaz facilmente em lascas. Retire a pele (que concentra a maioria das gorduras e possíveis contaminantes lipossolúveis) e quaisquer espinhas residuais.
Cozinhe sempre bem passado – nada de salmão cru ou mal cozido para os pequenos (isso vale para qualquer peixe, mas no salmão é bom reforçar porque há o sushi, poke, etc.).
Em suma, o salmão é um “super-peixe” para os miúdos: é saboroso, nutritivo e seguro. Ofereça salmão 1–2 vezes por semana alternando com outros peixes. Essa diversidade garante vários tipos de nutrientes e reduz qualquer risco de exposição repetida a um mesmo eventual contaminante.
(Curiosidade: o salmão é frequentemente um dos primeiros peixes que muitas crianças aprendem a gostar devido à sua textura macia e sabor rico. Não tenha receio de oferecer – muitos bebés adoram!)
Pescada: o tamanha importa!
A pescada é frequentemente recomendada como um dos primeiros peixes do bebé – é macia, fácil de engolir e quase sem espinhas quando bem preparada. Do ponto de vista do mercúrio, a pescada em geral é classificada como peixe de baixo teor.
Contudo, há um detalhe interessante: o tamanho (ou peso) da pescada pode influenciar o seu nível de mercúrio.
Um estudo recente da Universidade de Coimbra analisou a concentração de metilmercúrio em peixes muito consumidos em Portugal e trouxe um achado relevante: consumir pescada de grande calibre (>1 kg) mais de uma vez por semana pode fazer ultrapassar o nível considerado seguro de mercúrio para a população em geral. Já as pescadas pequenas (com menos de 1 kg, geralmente vendidas inteiras ou em postas pequenas) têm teores tão baixos que mesmo várias refeições semanais não atingem o limite. Com base nisso, os autores recomendam que, para grupos de risco (grávidas e crianças), se prefira pescadas de menor calibre (<1 kg).
(Nota: O mesmo princípio do tamanho se aplica a outros peixes – por exemplo, carapaus muito graúdos têm um pouco mais mercúrio que carapaus pequenos!)
Observação sobre alergias: O peixe é um alergénio comum (estima-se ~1% das pessoas possam ter alergia a peixe), e por isso, ao introduzir o pescado, faça-o de forma isolada e atenta e aguarde 2-3 dias antes de introduzir outro alimento novo -ofereça primeiro uma pequena porção e observe se ocorrem sintomas alérgicos.
Nota importante: Embora este guia forneça informações abrangentes e baseadas em evidências sobre o consumo de peixe para crianças, grávidas e lactantes, é fundamental lembrar que cada caso é único. Para orientações personalizadas e adaptadas às necessidades específicas da sua família, do seu bebé ou da sua gravidez, aconselhe-se sempre com o profissional de saúde que acompanha a sua família.
Fontes e recomendações oficiais
As informações e recomendações apresentadas neste documento são baseadas em diretrizes e estudos de autoridades de saúde e segurança alimentar. Para mais detalhes, consulte as fontes oficiais:
Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV, Portugal). (2023). Recomendações para o consumo de pescado pela população portuguesa. [Consultado em 21 de junho de 2025]. Disponível em: https://www.dgav.pt/
Carvalho C, Correia D, Severo M, Afonso C, Bandarra N.M., Gonçalves S., Lourenço H.M., Dias M.G., Oliveira L., Nabais P., Carmona P., Monteiro S., Borges M., Lopes C., Torres D. (2022). Quantitative risk-benefit assessment of Portuguese fish and other seafood species consumption scenarios. British Journal of Nutrition, 128(10), 1997–2010. https://doi.org/10.1017/S0007114521004773
Rodrigues E.T., Coelho J.P., Pereira E., Pardal M.A. (2023). Are mercury levels in fishery products appropriate to ensure low risk to high fish-consumption populations? Marine Pollution Bulletin, 186, 114464. https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2022.114464
Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA, Portugal). (Consultas contínuas). Publicações e Notícias sobre Segurança Alimentar e Contaminantes. [Consultado em 21 de junho de 2025]. Disponível em: https://www.insa.min-saude.pt/
European Food Safety Authority (EFSA). (Pareceres científicos diversos). Avaliações sobre a presença de mercúrio em alimentos e o consumo de peixe. [Consultado em 21 de junho de 2025]. Disponível em: https://www.efsa.europa.eu/en
Food and Drug Administration (FDA) & Environmental Protection Agency (EPA, EUA). (2021). Advice About Eating Fish. [Consultado em 21 de junho de 2025]. Disponível em: https://www.epa.gov/fish-advisories/advice-about-eating-fish-and-shellfish.
Organização Mundial da Saúde (OMS). (Publicações gerais sobre segurança alimentar e nutrição). Diretrizes sobre contaminantes e alimentação saudável. [Consultado em 21 de junho de 2025]. Disponível em: https://www.who.int/
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